Os Melhores de 2007 – Parte 2

A lista de 10 melhores filmes do ano tem uma matemática esquisita: no fim das contas, são onze filmes que fizeram de meu 2007 cinematográfico uma experiência e tanto. Explico: dez grandes filmes ajudaram a lembrar por que diabos eu tenho uma paixão avassaladora por cinema, pela experiência de entrar na sala escura e ser transportado. Mas houve um filme que transcendeu essa experiência, e me lembrou de como pessoas podem se unir para criar arte, para produzir peças eternas, que ficam na história. A “obra prima do ano” é este filme, que se ergue acima de todos os outros. Divirtam-se com a lista, enquanto eu tento terminar a de melhores HQs do ano antes de 2009…

 

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5. ZODÍACO

De David Fincher. Com Jake Gyllenhaal, Mark Ruffalo, Robert Downey Jr.

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David Fincher não busca soluções fáceis. Zodíaco, que relata, em detalhes absurdos, a caça da polícia de São Francisco por um assassino em série – e a obsessão de um cartunista de jornal em descobrir sua identidade – não pode ser facilmente rotulado. Morbidamente atraído pelo tema, Fincher construiu um filme de detalhes, esmiuçando a investigação policial que se estendeu por décadas e apresentando quem seria, em sua visão, e também na de Robert Graysmith (Gyllenhaal), que escreveu o livro no qual o filme foi baseado, o assassino que mobilizou a mídia e os temores californianos no começo dos anos 70. Seria exagero chamar o estilo do diretor de “documental”, mas é o que Zodíaco mais se aproxima com sua narrativa em camadas, que triunfa em passar o terror de um país inteiro em uma era sem Internet, sem mídia massificada e sem programas em que assassinos em fuga são acompanhados pelo noticiário ao vivo.


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4. CONDUTA DE RISCO

De Tony Gilroy. Com George Clooney, Tom Wilkinson, Tilda Swinton, Sydney Pollack.

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Existe uma cena de Conduta de Risco que encapsula todo o drama vivido pelo personagem central, Michael Clayton, advogado interpretado por George Clooney. Não é seu desespero ao perceber que, por mais que tentasse, sua lábia não era capaz de dobrar seu velho amigo, Arthur Edens (Wilkinson), advogado-tubarão que, numa crise nervosa/de consciência, muda de lado e decide trabalhar em prol das pessoas afetadas pelo produto de um conglomerado químico/agrícola. Também não é seu confronto com Tilda Swinton, uma das diretoras da tal empresa, que escolhe o caminho mais “fácil” para enterrar os erros de seu empregador (“Parece que eu estou negociando?” é a frase com mais cojones de todo o ano). Na verdade, Conduta de Risco, a direção de Tony Gilroy (roteirista os três Bourne) e a brilhante atuação de Clooney ressoam na última cena, quando Michael Clayton, dever cumprido, entra num táxi, entrega 50 dólares ao motorista e diz, “Apenas dirija”. É quando tudo que ele passou nos últimos dias começa a registrar em seu cérebro. As perdas. Os compromissos. As conseqüências. Ele deixa o ar sair, deixa a pressão escapar. E, finalmente, nós também.

 

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3. ONDE OS FRACOS NÃO TÊM VEZ

De Joel e Ethan Coen. Com Josh Brolin, Javier Barden, Tommy Lee Jones.

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Juro que fico espantado quando reclamam do final de Onde os Fracos Não Têm Vez, obra-prima dos irmãos Coen (está fácil em seus top 3). “É incompreensível”, bradam alguns. “Não faz o menor sentido”, disparam outros. Pura bobagem. Na adaptação do romance de Cormac McCarthy, que eles deram um verniz de western pós-moderno, Joel e Ethan Coen fizeram um incisivo estudo sobre o Mal. Não como entidade palpável, mas como mudança geracional, como elemento catalisador de uma “troca de guarda”, quando o mundo perdeu a inocência durante a Guerra Fria, e os tons de cinza invadiram o preto e o branco. É o que comenta o xerife interpretado por Tommy Lee Jones, quando diz que não entende mais os crimes e os criminosos, que atos de crueldade passaram a ser regra. O Mal não tem explicação. Assim como Anton Chigurh, o assassino interpretado por Javier Barden, também não. Na trama de Onde os Fracos Não Têm Vez, que mostra Llewelyn Moss (Brolin), um caubói apoderando-se de uma maleta com milhões no meio da carnificina de alguma transação de drogas que deu muito errado, ele é o catalisador da ambição de Moss e, em algum lugar no meio do caminho, o espelho de algo muito pior, que gente decente não pode e não deve compreender. É o espelho do futuro, o futuro em que nós vivemos.

 

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2. O ULTIMATO BOURNE

De Paul Greengrass. Com Matt Damon, Julia Stiles, Joan Allen, David Strathairn.

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Existe uma certa urgência nos olhos de Jason Bourne – apresentada em A Identidade, ressaltada em A Supremacia e, finalmente, aliviada por um círculo completo neste O Ultimato. É a urgência de viver sem saber quem você é. O que para muitos é encucação existencial, para Jason Bourne (talvez o papel mais emblemático da carreira de Matt Damon) é fato. Para fazer dele o assassino perfeito, sua mente teve de ser dilacerada, com uma persona fria e impiedosa no lugar. Mas drogas e condicionamentonão mudam a alma humana, e por três filmes acompanhamos Jason Bourne lutar para readquirir, se não sua identidade, mas ao menos um lugar no mundo. Enquanto isso, a série iniciada por Doug Liman e aperfeiçoada por Paul Greengrass redesenhou o conceito de filmes de espionagem e ação para o novo milênio – Cassino Royale mostra até onde foi essa influência. O Ultimato Bourne também é, de longe, o mais satisfatório da trilogia, com o desenvolvimento perfeito de personagens emoldurado por cenas de ação absurdamente bem engendradas. Não tenho dúvidas que Watchmen, a adaptação de Zack Snyder (300) da série de HQs mais festejada da história, será um filme espetacular quando chegar aos cinemas em um ano. Mas, nas mãos de Paul Greengrass, seu diretor original, seria uma verdadeira obra-prima.

 

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1. O GÂNGSTER

De Ridley Scott. Com Denzel Washington, Russell Crowe, Josh Brolin, Chiwetel Ejiofor.

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O que faz de um filme uma experiência inesquecível? Uma narrativa bem amarrada? Atores brilhantes? Roteiro de tirar o fôlego, aliado à direção afiada como navalha? Na verdade, nem sempre todos estes elementos precisam estar em perfeito equilíbrio. O Gângster, relato da vida do traficante Frank Lucas, o homem que popularizou a heroína na América, e de sua apreensão pelo incorruptível (ainda que demasiado humano) policial Richie Roberts, não é o filme perfeito. A opção por duas linhas narrativas distintas, por exemplo, ofusca o brilho do conjunto. Personagens de peso e relevância na história, como o rival de Lucas, Nicky Barnes, o “Sr. Intocável”, foi reduzido a um coadjuvante sem peso. As próprias acusações da polícia de Nova York contra os produtores de O Gângster, acusando-os de tratar como biografia fatos que nunca aconteceram (a Universal depois disse que o filme é uma obra de ficção inspirada em acontecimentos reais), tirou a força do longa de Ridley Scott – talvez por causa disso, ausente do último Oscar. Mas O Gângster é, na falta de palavra mais precisa, cinema visceral, poderoso e embriagante da melhor safra. É um embate de poder em uma época que os Estados Unidos se recuperavam do baque da Guerra do Vietnã, para descobrir que os próprios americanos traduziam seu “sonho” aproveitando a fragilidade da nação. É grandioso nas interpretações de Washington e Crowe, que quando finalmente se encontram resulta numa daquelas cenas dignas de emoldurar – as ruas vazias, a câmera por cima dos ombros de Denzel, Russell sozinho na rua, finalmente com a sensação de dever cumprido. Ridley Scott não precisa de prêmios (embora ele queira, como me disse nas entrevistas de divulgação de O Gângster). Ele pode até vir ano que vem na esteira do novo Body of Lies (mais uma vez com Russell Crowe). Mas não precisamos ir além de O Gângster para encontrar o cinema que mexe com nosso estômago, com nossa sensibilidade e com nossa emoção.

 

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Obra-Prima do Ano

SANGUE NEGRO

De Paul Thomas Anderson. Com Daniel Day-Lewis.

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Certos filmes fogem de categorias. De listas, de regras, de convenções. São obras tão poderosas que não podem… não devem!… ser perfiladas ao lado de seus pares, pelo simples motivo de “seus pares” comporem a elite do cinema. Filmes como O Poderoso Chefão, Cidadão Kane, Chinatown – filmes que superam a experiência cinematográfica, que se tornam algo mais. Que se tornam uma obra-prima. Não existe fórmula, não existe como prever – filmes assim aparecem do nada e mudam nosso conceito do que é um bom filme e do que é algo que transcende. Desde Clube da Luta que eu não experimentava a sensação de testemunhar algo tão poderoso. Paul Thomas Anderson, porém, dava sinais de que era capaz de criar tal obra.

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Boogie Nights trazia uma energia juvenil que eletrizou todo o elenco. Magnólia repousava numa sensibilidade e numa maturidade formidáveis a um diretor tão jovem. Embriagado de Amor… bom, todo mundo tem direito a um escorregão – um bom filme que não arranha a relevância de seus trabalhos anteriores. Mas Sangue Negro é perfeito. Do começo ao fim, perfeito. Desde os primeiros 15 minutos, silenciosos, quando aprendemos que Daniel Plainview é um homem que não coloca nada acima de sua ambição – nem sua própria segurança. Aos poucos descobrimos que homens como ele criaram a América como ela é, em cima de suor, de sangue, de sacrifícios, de objetivos traçados por mãos calejadas e um olhar que é pura determinação.

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Cada passo de Plainview rumo ao que ele considera seu objetivo – ser rico o suficiente para não ter de lidar com outros seres humanos, nunca mais – o distancia da humanidade. O faz ser o homem que muitos ambicionam, poucos têm coragem de terminar a jornada. Sua ambição só encontra paralelo em seu ódio por Eli Sunday, pastor nato, igualmente ambicioso, que faz de seu próprio objetivo a conversão de Daniel. São duas obsessões – a financeira e a religiosa – caminhando paralelamente, mostrando com exatidão de que forma os Estados Unidos se tornaram “grandes”. Anderson emoldura o embate em cinema puro, feito de imagens, de sons, de diálogos e de cenas que dilaceram a alma em uma trama de dinheiro, família, ambição e petróleo.

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E tem em Daniel Day-Lewis o melhor aliado para contar essa história tão trágica, tão grotesca e tão humana. Nunca enxergamos Day-Lewis em cena. É sempre Daniel Plainview, de fala empolada quando discursa para os moradores de uma cidade no meio do nada na Califórnia, montados sem saber em rios de petróleo sob a superfície; de fúria avassaladora quando, em lágrimas surgidas com sangue, descobre que talvez seu único e final elo com a humanidade seja, também, uma farsa; e de zombaria, satisfação e insanidade no clímax tão polêmico e tão perfeito – “Eu bebo seu milk shake! Bebo todinho!”. Sangue Negro merece ser chamado de obra prima. Neste ano – nessa década – é o único, por enquanto, que merece.

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8 Respostas to “Os Melhores de 2007 – Parte 2”

  1. Edgard Says:

    Gostei… fechou com chave de ouro…. e ainda teve um filme “extra”, pra copiar os grandes lançamentos em DVD, que reservam boas surpresas para os extras… E, parafraseando a própria Set: Filme: 9, Extras: 10!!!!
    Sangue Negro é o melhor filme do ano (me desculpem, mas assisti na net… aqui onde moro esperar sair no cinema é difícil….. em DVD então…), Day-Lewis é o cara, pena que não faz muitos filmes.. aliás, acho que não faz nenhum…. só obras de arte….
    Mas ainda acho que faltou Transformers (o Bay é meio podreira, mas o filme é show)…. e Sweeney Todd…
    Ainda bem que 2008 promete ser tão bom quanto 2007.

  2. Marcelo Says:

    não acredito que tô vendo Michael Clayton nessa lista!!!! Esqueceu Juno!!!!
    Mas bela critica ao sangue negro!! valeu

    http://thesupergangbang.blogspot.com/2008/02/os-melhores-filmes-de-2007-que-voc-no.html

  3. Alipio Says:

    Nao dá pra criticar tanto assim a lista. Listas sao preferencias e voce pode reclamar a ausencia deste ou daquele, mas nao pode negar que é uma lista coerente. Engraçado que muita gente reclamou de ‘Conduta de Risco’ entre os indicados ao Oscar, mas eu tambem o achei um filmaço. Uma das melhores atuações de George Clooney!

    Curioso é perceber que boa parte dos filmes escolhidos, sao do final do ano. Dá a impressao de que o 1º semestre inexiste.

    Agora, acho que seria legal se voce arrumasse tempo e fizesse uma de piores do ano. Nem que seja só com 5 filmes. Apenas pra desopilar e nos divertir um pouco.

  4. Daniel Says:

    Não achei “Sangue Negro” tudo isso… Parece que Anderson simplesmente colocou uma câmera na frente do Day-Lewis (que está fantástico nesse filme, algo quase sobrenatural, Oscar merecidíssimo) e deixou a história passando por trás, sem nos deixar ter acesso a ela. Isso me incomodou um pouco… Quer romper com Hollywood? Que rompesse direito, como os Coen fizeram com “Onde os fracos não têm vez”. Obra-prima, se existiu uma em 2007, foi mesmo “O Gângster”. É genial!
    Mesmo assim, analisando superficialmente, é claro que “Sangue Negro” é um filmaço. Não uma obra-prima…

    Abraços, Sadovski!

  5. Luís Fabiano Says:

    Buenas!
    Antes de mais nada, parabéns pela revista, sempre surpreendente mês a mês. Tenho todos os números desde 1987, e com certeza nunca perderei um número.
    Bem, quero parabenizá-lo pelo comentário preciso acerca de Sangue Negro. O filme é realmente genial, uma verdadeira obra de arte, perfeito caleidoscópio da construção dos paradigmas éticos norte-americanos. Confesso que esperava ler matéria, ou crítica, com conteúdo tão brilhante como o do seu blog na edição impressa, o que, infelizmente, não ocorreu. O filme me lembrou muito o Barry Lindon, do Kubrick, não lhe pareceu? Para mim, poucas vezes a trilha sonora foi tão importante e bem utilizada como em Sangue Negro.
    Bem, abraços, parabéns pelo competente trabalho!

  6. Leonardo Says:

    Faltou O Assassinato de Jesse James, um filme crepuscular que remete diretamente aos faroestes revisionistas e psicológicos dos anos 70. Um roteiro poderoso, duas tour de fources (sendo uma delas a melhor atuação do astro Brad Pitt), fotografia perfeita, trilha sonora melancólica… com certeza, o filme mais injustiçado do ano.

  7. chewbacca Says:

    Ok sangue negro merece….mas transformers? putz…só se for na lista dos 10 piores….

  8. firefox Says:

    Parece que VC só, vai no cinema nos EUA. Cadê filmes como 4meses, 3semanas , 2 dias . Tropa de Elite. Até Zodiaco e conduta de Risco tá na tua lista. Só faltava mesmo bombas como Transformers (concordo com que chewbacca disse) e Duro de Matar 4

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